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sábado, 6 de abril de 2013

Os dias em que a cidade que nunca pára, o PCC parou.

O caos e o terror reinaram por cinco dias, em março de 2006, em São Paulo devido às ações da poderosa organização PCC.
A cidade, a mais populosa do país, conta com quase 11 milhões de habitantes, que se tornam mais de 15 milhões se contabilizarmos a população da chamada "Grande São Paulo" (municípios como Guarulhos, Osasco, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Taboão, Carapicuíba são praticamente bairros da própria cidade).
Nesse gigantesco aglomerado urbano, que por si só já mostra a irracionalidade do urbanismo capitalista, convivem rotineiramente, lado a lado, a absoluta miséria das favelas com os bairros de altíssimo luxo, as moradias abaixo das condições mínimas de vida não longe de mansões e condomínios fantásticos vistos em poucas cidades do mundo, amontoam-se também barracas de vendedores ambulantes similares àquelas dos países mais pobres do planeta próximas a centros comerciais similares àqueles de Nova York ou Londres.
Nestes cinco dias de terror, toda a rotina desse cenário de opostos foi quebrada, e manifestou-se, de forma abrupta, a enorme violência que se esconde no interior das contradições da cidade de São Paulo e do Brasil. A organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), em operação de verdadeira guerra civil, realizou 251 ataques contestando abertamente o poder de Estado constituído.
Delegacias, postos policiais e carros de polícia foram metralhados, agentes da lei e até bombeiros foram fuzilados, quinze agências bancárias e oitenta ônibus de transporte coletivo foram incendiados.
O pânico tomou conta da população: diversas lojas comerciais, universidades e escolas foram fechadas. Donos de empresas de ônibus, temendo pelo seu patrimônio, não permitiram que os veículos saíssem das garagens. Milhares de paulistanos ficaram sem transporte para chegar ao trabalho. Durante toda a segunda-feira (dia 15), mais de 190 quilômetros de engarrafamento tornaram o trânsito uma verdadeira tragédia, buzinas e sirenes policiais transformavam o barulho do centro em algo ensurdecedor.
Além de tudo isso, diversos presídios se rebelaram e atos de vandalismo ocorriam por todo o país. Tanto na própria São Paulo como em outras cidades próximas, tais como Campinas, e em vários estados do Brasil, tais como Paraná e Bahia, presidiários se levantavam tomando a direção das casas de detenção e também delegacias ou ônibus eram atacados, transformando a população civil em refém do crime organizado. O saldo dos cinco dias de violência, segundo a Secretaria de Segurança Pública, foi de 115 mortes e dezenas de feridos, isto somente na cidade de São Paulo.

Na madrugada da terça-feira (dia 16), ocorreram ainda novos atentados na Grande SP, mas, pela manhã, os ônibus voltaram a circular na zona sul, a mais atingida pelos acontecimentos, com a polícia vigiando os terminais. Nesse dia, boa parte da população, porém, não saiu de casa, e a terça-feira parecia um dia feriado, com poucos carros circulando, com o metro e os transportes sem passageiros. Neste momento, terça-feira à noite, ainda alguns veículos foram queimados, mas, a situação parece ter ser acalmado repentinamente. Como a calmaria rotineira retornou de forma tão súbita?
A negociação com o PCC
Corre o boato que o governador do Estado de São Paulo, Cláudio Lembo, teria negociado com a facção criminosa atendendo algumas reivindicações do PCC. O principal interlocutor dessa negociação seria Orlando Mota Júnior, conhecido como Macarrão, que cumpre pena de 48 anos e oito meses pelos crimes de roubo, furto, formação de quadrilha e receptação. Orlando seria um dos principais líderes do P,cc logo abaixo do líder máximo, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola.
A rebelião teria começado justamente porque Marcola, Macarrão e outros líderes do PCC haviam sido transferidos para o CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernardes (589 km de SP), onde ficariam isolados -em RDD, Regime Disciplinar Diferenciado, perdendo toda as regalias e a capacidade de ação que ainda possuem em presídios comuns. Não aceitando essa transferência dos seus líderes, o PCC teria desencadeado os cinco dias de terror.
As rebeliões nos presídios e os ataques teriam sido interrompidos na terça-feira, justamente, porque o governo do Estado teria atendido algumas exigências do PCC. Depois do acordo, Macarrão teria então ordenado através de celular que cessassem as operações criminosas e teria sido imediatamente obedecido por seus milhares de fiéis seguidores. Entre as exigências de Macarrão, fala-se na promessa da parte do governo de não utilizar a tropa de choque -conhecida por sua violência extrema - para conter as rebeliões ocorridas em presídios e o retorno de uma série de regalias para Marcola e outros líderes do PCC.
Tal suspeita de negociação do Estado com a organização criminosa revolta boa parte da população paulista, mas, acontecimentos como esse vêm tornando-se comum no Brasil, já que a corrupção domina a vida política e todas as instituições, mostrando a grave crise que atinge a própria dominação burguesa no Brasil. Além das denúncias escandalosas que envolvem todo o governo Lula, o congresso nacional e mesmo o poder judiciário, recentemente, por ocasião do roubo de armas de um quartel do Exército no Rio de Janeiro, também teria ocorrido negociação similar com o crime organizado. Na época, correram boatos de que as Forças Armadas recuperaram as armas roubadas através de negociação com o Comando Vermelho, outra grande organização criminosa. É como se houvesse uma certa continuidade e complementaridade entre o Estado burguês, expressão da classe dominante em armas, e as grandes organizações criminosas armadas, apoiadas, em certo sentido, na miséria da maior parte da população brasileira, moradora nas favelas.
As origens do PCC no Comando Vermelho
Nessa direção é interessante lembrar as origens do Comando Vermelho. Esta organização teria sido criada em 1979, na época ainda da ditadura militar. Teria surgido no presídio Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, a partir do convívio entre presos comuns e militantes políticos. A organização nasceu com conotação política e designava-se "Falange Vermelha" tendo como lema "Paz, Justiça e Liberdade". Controlando inicialmente o tráfico de cocaína no Rio de Janeiro, começou um rápido crescimento distribuindo a droga também para o mercado europeu. Para controlar os pontos de venda, as chamadas "bocas-de-fumo", começou a trabalhar com armamento pesado, armas de alto calibre roubadas do exército ou vindas da Europa, particularmente, da ex-URSS, cuja burocracia vendia a preços acessíveis até armas de defesa antiaérea.
Foi bem essa a trajetória de um dos mais célebres líderes do Comando Vermelho, Fernandinho Beira-Mar. Começou roubando armas do exército brasileiro e logo prosperou, sobretudo, como traficante internacional de armas. Recentemente, inclusive, foi preso na Colômbia, onde tinha grandes negócios com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), recebendo cocaína em troca de armas. Sustenta-se que antes de cisões que atingiram o Comando Vermelho, esta organização chegou a ter 6.500 homens armados diretamente trabalhando nas suas ações e cerca de 300.00 indivíduos em trabalho indireto.Uma de suas cisões foi justamente a origem do P,cc organização que atua mais na cidade de São Paulo e na Baixada Santista, região litorânea do Estado.
Base social e "cultural" das organizações
Como o Comando Vermelho, o PCC tem uma ampla base social nos presídios e nas favelas, tendo milhares de colaboradores. Freqüentemente, essas organizações controlam associações de moradores, clubes, atividades esportivas e musicais, até doando ou obtendo certos pequenos benefícios para a população. Organizam também atividades "culturais", como os bailes funks, onde muita droga e sexo atraem até jovens burgueses ou pequeno-burgueses.
Os cantores funks fazem hinos de exaltação das facções criminosas e até gravam cds elogiando os líderes do Comando ou do PCC. Os cds muitas vezes têm boa captação de som e qualidade técnica refinada, sendo tocados em rádios piratas e vendidos por centenas de vendedores ambulantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em cidades da Baixada Santista, no litoral de São Paulo, principalmente, em Santos e em São Vicente, existem funkeiros famosos ligados ao P,cc tais como Renatinho e Alemão, os principais MCs (Mestres de Cerimônias), que gravam álbuns diretamente em homenagem à organização. Por exemplo, no cd "Guerreiro Não Gela", Renatinho e Alemão mandam mensagens a Marcos Willians Herbas Camacho, ou seja, justamente o Marcola, que seria um dos líderes da guerra civil destes dias em São Paulo.
Lembremos que o cd de maior sucesso da dupla Renatinho e Alemão intitula-se "Taleban - Parque dos Monstros", que é como o PCC chama o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, local onde estão presos Marcola e Macarrão. Na capa do cd, os dois funkeiros aparecem usando óculos escuros e boné estilo militar, com uma foto do World Trade Center em chamas ao fundo. Em cds apreendidos em presídios, escutam-se rajadas de metralhadoras e ameaças diretas a membros do governo ou da polícia.
Como se vê, essas organizações possuem uma base social ampla que habita nas favelas, um trabalho "cultural" e até uma ideologia difusa que se identifica com atos terroristas contra o poder do Estado burguês e mesmo contra o imperialismo internacional. As organizações criminosas parecem, assim, quase verdadeiros partidos políticos das favelas e da classe trabalhadora, mas, na verdade, evidentemente, não são. Como as torcidas organizadas de times de futebol, que de forma fanática torcem para a sua bandeira, e que também, freqüentemente, enfrentam a polícia, como os membros das escolas de samba, também fanáticos pelo pavilhão da sua comunidade, organizações como o Comando Vermelho e o PCC expressam, na verdade, a ausência de um verdadeiro partido dos trabalhadores e um grande bloqueio para a construção de tal partido.
Essas organizações são, assim, em última instância, aliados e cúmplices do Estado burguês e produtos do próprio capitalismo que parecem, em certos momentos, ameaçar. Por isso, não é espantoso que o Estado negocie com eles, como parece ter feito o governo de São Paulo nesta ocasião. Porém, de forma mais perigosa que as torcidas organizadas de time de futebol ou escolas de samba, organizações como o PCC e o Comando Vermelho, potencializadas por muita droga, armas pesadas e dinheiro, apesar de cúmplices e sócias da burguesia, expressam também a irracionalidade absoluta do sistema capitalista e a sua negação, ainda que indeterminada, uma negação pela barbárie, e os acontecimentos destes cinco dias em São Paulo mostraram que esta negação está presente e já nas ruas.
Os outros cúmplices do PCC
Por outro lado, se o Estado burguês é, sem dúvida, cúmplice do PCC e do Comando Vermelho, não seriam também cúmplices ( e maiores cúmplices) todos aqueles que forjaram falsos partidos dos trabalhadores? Não seriam cúmplices destas organizações criminosas todos aqueles que permitiram e que permitem, com suas traições, que essas organizações criminosas cresçam na classe trabalhadora brasileira?
Nesse sentido, lembremos que aproximadamente na mesma época que surgia o Comando Vermelho, há cerca de 26 anos atrás, outra bandeira vermelha era também hasteada, aquela do PT, aquela do partido hoje no poder e hoje mergulhado em crimes quase similares aos de Fernandinho Beira-Mar, Marcola e Macarrão.
Que dizer de Silvinho Pereira, dos dólares na cueca, dos assassinatos de prefeitos, das máfias do lixo e do transporte coletivo, todos escândalos petistas? Que dizer do "mensalão" que subornou quase todo o Congresso Nacional? Que dizer do "Sombra", uma das figuras sinistras do PT de Santo André? Nesse sentido, todos aqueles que construíram o PT e os centristas que o ajudaram a construir são cúmplices, ainda que indiretos, das máfias petistas e daquela de Marcola.
Hoje, diante dos acontecimentos de São Paulo, alguns partidos ditos "de esquerda", pensando (como sempre) já nas próximas eleições (e apenas, nos possíveis lucros eleitorais), aproveitaram os fatos para atacar os seus potenciais adversários e culpá-los pela falta de segurança. Conforme a posição eleitoral, uns atacam o PSDB e o PFL, outros o próprio PT, pois, saíram dele há apenas alguns anos, outros há alguns meses e ainda, os últimos, que saíram há apenas alguns dias (antes do término do prazo para conseguir outra legenda eleitoral). Outros atacam o "capitalismo neoliberal" como a causa da violência. Seria este último melhor que o capitalismo?
Quantas rajadas de metralhadoras do PCC serão ainda necessárias para calar tal retórica eleitoral e tanta pseudo-teoria destes outros cúmplices indiretos do crime organizado paulista e brasileiro?






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