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quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Haiti e sua crise sem fim

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 “O Haiti é um país em que 10% das pessoas vão a escolas, e 80% ou mais são pobres. A situação não pode ficar assim. É preciso fazer algo.”

Além de ser o país mais pobre das Américas, o Haiti vivia o avanço de rebeldes armados, que tomaram algumas cidades no interior e exigiam a renúncia do presidente Jean-Bertrand Aristide.

O bem e o mal

Em 1990, quando foi eleito pela primeira vez, Aristide representava uma esperança de que o país finalmente deixasse para trás os 30 anos de ditadura da família Duvalier.

François Duvalier (conhecido como “Papa Doc”), que governou de 1957 a 1971, e seu filho Jean-Claude Duvalier (o “Baby Doc”), de 1971 a 1986, são considerados por analistas dois dos mais violentos governantes da história.

Para assegurar o controle do país, os dois líderes haitianos empregavam os chamados Tonton Macoutes – guardas armados do presidente, que reprimiam violentamente a oposição.

“Esse processo de transição, depois da queda de (Jean-Claude) Duvalier, teve uma série de governos provisórios, até que as eleições foram organizadas em 1990”, explica o ex-senador Serge Gilles, atualmente um dos coordenadores do Partido Pampra, de oposição.

“Foi nessa eleição que foi formada a dicotomia: o Satã e o Cristo. Aristide representou o Cristo, os duvalieristas, o diabo.”

“Foi fácil para Aristide. Como o povo não tinha educação política sobre a democracia, foi fácil apresentar o problema ao povo assim, como visões de Deus e o Diabo.”

Trajetória

Aristide, um ex-padre de raízes humildes, ganhou projeção em discursos inflamados que fez, durante os anos 80, em uma das áreas mais pobres de Porto Príncipe.

Quando eleito pela primeira vez, o atual presidente gozava de grande popularidade, assim como o seu partido, o Lavalas.

Mas, meses depois de ter sido eleito, Aristide foi afastado do poder em um golpe de Estado.

Fugindo para os Estados Unidos, o presidente liderou esforços para convencer a comunidade internacional a intervir, que culminaram com a invasão do país por cerca de 20 mil soldados americanos, em 1994.

Restituído no poder, ele foi sucedido na Presidência por René Preval, mas seria reeleito em 2000, em eleições que a oposição considera terem sido fraudulentas.

Desde então, a tensão tem aumentado, com a formação de frentes amplas de oposição, como a Convergência Democrática, cujo principal objetivo é afastar Aristide do poder.

Desperdício

“De maneira clara, evidente, começou a virar ditador depois de sua volta”, diz Gilles, dizendo que o fato de ter sofrido um golpe de Estado foi uma desculpa para Aristide assumir suas posições que, segundo ele, são “anarcopopulistas”.

“Penso que o Lavalas (partido de Aristide) é fruto do sistema de Duvalier”, diz ele. “O anarcopopulista é contra as instituições, o Estado, contra tudo o que é organizado.”

Entretanto, para Richard Widmaier, diretor da rádio Metropole, de Porto Príncipe, o problema de Aristide não é a ideologia que ele representaria, mas sim o fato de ele ter lidado de maneira inconseqüente com as expectativas do povo haitiano.

“Em um país tão pobre como o Haiti, é difícil para qualquer pessoa resolver todos os problemas (...). Mas Aristide disse ao povo que faria isso, prometeu. Mas ele não cumpriu, nem poderia”, afirma.

“Aristide é como uma pessoa que está jogando pôquer e têm um grande conjunto de cartas na mão, mas não as aproveita. (...) Ele tinha tudo.”

Otimismo

Para Widmaier, a violência que se espalhou pelo interior do Haiti tem raízes profundas que precisam ser arrancadas se o país quiser se tornar verdadeiramente democrático.

“É tentador dizer que há padrões que vêm sendo seguidos. Padrões de comportamento, de pensamento. Começamos há 200 anos, e os heróis haitianos, que expulsaram os franceses, continuaram a usar as mesmas técnicas que os franceses usavam para se manter no poder”, disse ele.

“Nós temos que mudar a mentalidade haitiana, para que possamos entender a democracia.”

Mas Widmaier foi otimista quanto ao futuro do país. “O que estamos vendo agora, talvez, possa nos levar pela primeira vez à democracia.”

A ofensiva rebelde no interior do Haiti já deixou muitos mortos desde o dia 5 de fevereiro de 2004, quando os rebeldes tomaram uma série de cidades no oeste do país.

O presidente Aristide insiste que não tem a intenção de renunciar, como quer a oposição, e que só vai deixar o poder em 2006, quando seu atual mandato chega ao final.

O que estava por trás das manifestações e da greve geral?

A oposição no Haiti esperava que as atenções da comunidade internacional por causa dos 200 anos de independência do país ajudassem a por fim ao regime de Jean-Bertrand Aristide, contra o qual se colocavam desde as disputadas eleições de 2000. Os opositores do presidente temiam que ele estimulasse irregularidades nas eleições legislativas programadas para aquele ano e tentasse um terceiro mandato em 2005.

Essas manifestações se tornaram cada vez mais violentas nos últimos meses de 2004, especialmente em zonas rurais como Gonaives e Cap-Haitien. Grupos de oposição e partidários do governo entraram em choque, deixando um saldo de vários mortos. Ambos os lados se culpavam pela violência e, aparentemente, moradores das favelas mais pobres desejavam dar apoio a quem pagá-los.

Quem é a oposição?

A principal oposição formou uma coalizão chamada "Grupo de 184" – supostamente o número de partidos políticos, associações cívicas, sindicatos e grupos empresariais que a compunha. A coalizão não tinha um líder formal, embora o empresário André Apaid, detido por duas semanas no final de novembro de 2004, se colocasse como seu porta-voz.

Quais são as queixas da oposição?

Originalmente, a oposição protestava contra a reeleição de Aristide em 2000 e alegava fraude nas eleições legislativas da época. Ela boicotou o Congresso e se recusou a cooperar com iniciativas do governo.

Desde então, os opositores de Aristide passaram a reclamar da deterioração da situação econômica e da falta de diálogo político. Na época havia um impasse em relação às eleições legislativas marcadas para 2004 – não houve acordo sobre quem deveria ser indicado para a comissão eleitoral que deveria preparar o pleito.

A oposição também se recusava a participar das eleições a menos que Aristide renunciasse à presidência. Assim, os oposicionistas pediram a formação de um governo de transição liderado por um representante da Corte Suprema, e um conselho de nove membros.

Qual foi o envolvimento da comunidade internacional no Haiti?

No dia 1º de janeiro de 2004 o Haiti comemorou 200 anos de independência da França, o poder colonial que governou o país a partir de 1697. Em um ato público do presidente Aristide antes das comemorações ele pediu que a França desse ao país US$ 21 bilhões em "reparações". O governo francês não respondeu ao pedido. A influência da França no país era principalmente de ordem cultural, o sistema de educação ainda era baseado em princípios franceses e as aulas eram dadas em francês.

Em 1915, fuzileiros americanos invadiram o Haiti para resgatar a "dívida" do Haiti para com os Estados Unidos. Os americanos permaneceram no país por quase 20 anos e se retiraram diante da crescente resistência de rebeldes haitianos.

Em 1994, forças americanas retornaram ao Haiti para ajudar a recolocar no poder o presidente Aristide. As Nações Unidas empreenderam uma missão para reorganizar a polícia, o Judiciário e dar ajuda humanitária. A ONU se retirou depois das eleições de 2000 sem atingir seus objetivos.

Desde então, a Organização dos Estados Americanos fez várias tentativas de promover negociações entre o governo e a oposição. No momento, a organização ainda tenta mediar um acordo para a Comissão Eleitoral.

O presidente Aristide fracassou no governo?

Ele foi a figura dominante da política do Haiti nos últimos 15 anos.

Antes dos protestos, ele já havia sido o fator de instabilidade política no país.

Ele e seus aliados afirmavam que ele não conseguira levar adiante uma agenda de reformas em razão da oposição dos Estados Unidos e da falta de apoio da comunidade internacional.

A situação econômica haitiana se complicou ainda mais nos últimos anos. Apenas uma parcela pequena da economia formal sobreviveu, e as principais exportações, como café e rum, são praticamente nulas.

As poucas indústrias de peças e montagem de produtos para os Estados Unidos também sucumbiram. O turismo despencou.

A única área que parece registrar crescimento é o narcotráfico. O Haiti tem uma localização ideal para embarcações que levam drogas da América Latina rumo aos Estados Unidos.

Em razão da Aids e de outros problemas de saúde, a expectativa média de vida da população do Haiti é hoje de apenas 49 anos.
Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de proporções catastróficas, com magnitude sísmica 7,0 na escala de magnitude de momento (7.3 na escala de Richter), atingiu o país a aproximadamente 22 quilômetros da capital, Porto Príncipe. Em seguida, foram sentidos na área múltiplos tremores com magnitude em torno de 5.9 graus. O palácio presidencial, várias escolas, hospitais e outras construções ficaram destruídos após o terremoto e estima-se que 80% das construções de Porto Príncipe foram destruídas ou seriamente danificadas. O número de mortos não é conhecido com precisão. Em 3 de fevereiro, o Premiê Jean-Max Bellerive afirmou que já passa de 200 mil o número de óbitos, e o número de desabrigados pode chegar aos três milhões. Diversos países disponibilizaram recursos em dinheiro para amenizar o sofrimento do país mais pobre do continente americano. O presidente norte-americano Barack Obama, afirmou logo após a tragédia que o povo haitiano não seria esquecido, obrigando a comunidade internacional a refletir sobre a responsabilidade dos países que exploraram e abandonaram o Haiti. Segundo as Nações Unidas, o sismo foi o pior desastre já enfrentado pela organização desde sua criação em 1945.

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